*A ideia de karma no buddhismo (em pāli, kamma; em sânscrito, karma) é que as ações intencionais produzem naturalmente certos resultados: boas ações conduzem a resultados prazerosos e a traços de caráter positivos, e as más conduzem a resultados desagradáveis e a traços negativos. Os resultados não são “recompensas” nem “punições”, pois não se vê que haja algum Deus distribuindo os resultados. Tampouco são estabelecidos como “lições a serem aprendidas”, embora uma pessoa possa, com sorte, desenvolver percepções por meio da reflexão sobre os acontecimentos da vida como possíveis resultados de comportamentos prévios. Os resultados kármicos são vistos simplesmente como resultados naturais, surgindo de um tipo de lei da natureza. Uma analogia comum é que o karma é como uma semente, e os seus resultados são como os frutos que se desenvolvem a partir dessa semente. Um termo para uma boa ação e sua capacidade de gerar bons frutos kármicos é puñña (em pāli) ou puṇya (em sânscrito), frequentemente traduzido como “ação meritória” e “mérito”. Isso, porém, sugere que os resultados kármicos são alguma recompensa merecida, em vez de resultados naturais. Assim, puñña é melhor traduzido como “ação kármica benéfica” e “benefício kármico” ou “frutificação kármica”.*
**Th.64 Karma é volição**
*No buddhismo, as coisas que acontecem a alguém não são “karma”, mas podem ser consequência de karma intencional bom ou mau (isto é, ação intencional boa ou má) realizada pela própria pessoa. A natureza de uma ação é vista como residindo na volição ou intenção expressa nessa ação, e as ações incluem não apenas as manifestas pelo corpo ou pela fala, mas também o pensamento sustentado.*
É a volição, monges, que eu chamo de karma. Tendo desejado, alguém realiza uma ação por meio do corpo, da fala ou da mente.
*Nibbedhika Sutta: Aṅguttara-nikāya* III.415, trad. P.H.
**Th.65 Suas más ações o alcançarão, cedo ou tarde**
Enquanto uma má ação não amadureceu, o tolo a considera tão doce quanto o mel.
Mas, quando ela amadurece, o tolo encontra o sofrimento.
...
Uma má ação não é como o leite (morno) que azeda em um dia; é como um fogo brando encoberto por cinzas, e segue o tolo.
*Dhammapada* 69 e 71, trad. P.H.
**Th.66 As ações e pensamentos de uma pessoa determinam seu renascimento, não os rituais de outros**
*Esta passagem enfatiza que como uma pessoa nasce novamente é resultado natural de suas ações, não algo que as preces e rituais dos outros determinam.*
Então Asibandhakaputta, o líder, foi até o Bem-Aventurado, e tendo ido lá, prestou-lhe respeito e sentou-se de um lado. Sentado de um lado, ele disse ao Bem-Aventurado: “Os brāhmaṇas das terras ocidentais, senhor, aqueles que transportam vasos de água, usam guirlandas de plantas aquáticas, recorrem à água (para a purificação) e adoram o fogo para melhorar o destino de uma pessoa morta, informam a elas (de seu destino) e as enviam para o céu. Mas seria o Bem-Aventurado, o arahant, o Buddha perfeitamente desperto, capaz de fazer com que cada pessoa do mundo nascesse, com a dissolução do corpo, após a morte, em um bom destino, em um mundo celestial?”
“Muito bem, então, líder, vou lhe colocar uma questão sobre esse assunto. Responda como achar adequado. O que você acha, líder, aqui há uma pessoa que destrói a vida, rouba, comporta-se indevidamente no gozo dos prazeres sensoriais, fala falsidades, se engaja em discurso divisivo, fala áspera e conversas inúteis, tem um desejo intenso, é mal-intencionada no pensamento, e mantém visões erradas. Então, uma grande multidão de pessoas, reunindo-se e congregando-se, começa a orar, louvar e circumambular com suas palmas juntas dizendo: ‘Que esta pessoa, com a dissolução do corpo, após a morte, renasça em um bom destino, em um mundo celestial!’ O que você acha? Será que esse homem, por causa das orações, do louvor e da circumambulação daquela grande multidão de pessoas, com a dissolução do corpo, após a morte, renasceria num bom destino, num mundo celestial?” “Não, senhor”.
“Líder, suponha que uma pessoa jogasse um grande pedregulho em um lago de águas profundas, e uma grande multidão de pessoas, reunindo-se e congregando-se, viesse a orar, louvar e circumambular com as palmas juntas dizendo: ‘Levante-te à superfície, ó grande pedregulho, venha flutuando, ó grande pedregulho, flutua até a costa, ó grande pedregulho!’ O que você acha? Será que esse grande pedregulho, por causa das orações, do louvor e da circumambulação daquela grande multidão de pessoas se ergueria até a superfície ou, flutuando, chegaria à margem?” “Não, senhor”.
“Assim é com qualquer pessoa que destrói a vida, ... etc. Mesmo que uma grande multidão de pessoas, reunindo-se e congregando-se, viesse a orar, louvar ... ainda assim, com a dissolução do corpo, após a morte, ela renasceria em um estado lamentável, num destino ruim, no abismo, no inferno.
“Líder, o que você acha? Aqui, há uma pessoa que se abstém de destruir a vida, de roubar ... não é gananciosa, sem pensamentos de má-vontade e mantém a visão correta. Então, uma grande multidão de pessoas, reunindo-se e congregando-se, viesse a orar... dizendo: ‘Que esta pessoa, com a dissolução do corpo, após a morte, renasça num estado lamentável, num destino ruim, no abismo, no inferno!’ Será que essa pessoa com a dissolução do corpo ... por causa das orações, do louvor e da circumambulação daquela grande multidão de pessoas renasceria num estado lamentável, num destino ruim, no abismo, no inferno?” “Não, senhor”.
“Suponha que uma pessoa jogasse uma jarra de ghee ou uma jarra de óleo em um lago de águas profundas e a quebrasse. Lá os grãos de areia e fragmentos de jarro afundariam, enquanto o ghee ou o óleo subiriam. Se uma grande multidão de pessoas, reunindo-se e congregando-se, orasse, louvasse ... dizendo: ‘Afunda, ó ghee e óleo, submerge, ó ghee e óleo, desce, ó ghee e óleo!’ O que você acha? Será que o ghee e o óleo, por causa das orações, do louvor... afundaria, submergiria ou desceria’?” “Não, senhor”.
“Assim é com qualquer pessoa que se abstém de destruir a vida ... etc. Mesmo que uma grande multidão de pessoas, reunindo-se e congregando-se, viesse a orar ... dizendo: ‘Que esta pessoa, com a dissolução do corpo, depois da morte, renasça num estado lamentável, num destino ruim, no abismo, no inferno!’, ainda assim, com a dissolução do corpo, após a morte, ela renasceria em um bom destino, um mundo celestial”.
*Asibandhaka-putta Sutta: Saṃyutta-nikāya* IV.312--314, trad. P.D.P.
**Th.67 Como as ações passadas levam às diferenças entre pessoas**
Este passagem explica como várias ações boas e ruins levam respectivamente a renascimento no céu ou no inferno, ou a vários tipos de boa ou má fortuna em um renascimento humano futuro. Isso não deve ser entendido como significando que o karma passado é a única causa das diferenças entre humanos, mas que pode ter uma influência definitiva.
“Bom Gotama, devido a que causa, dependente de que condição, estados piores e melhores podem ser vistos entre aqueles que se tornaram humanos, embora sejam (todos) humanos? Vemos humanos com uma vida curta e com uma longa vida útil, com muitas doenças e poucas doenças, feios e bonitos, fracos e poderosos, pobres e ricos, de baixa classe social e alta classe social, tolos e sábios. Bom Gotama, por que essas diferenças são vistas entre os humanos?”
‘Jovem, os seres têm suas ações (karma) como próprias, são herdeiros de suas ações, originam-se delas, estão relacionados a elas, têm suas ações como seu refúgio. As ações dividem os seres vivos em tendo estados piores e melhores. ... Aqui, jovem, uma certa mulher ou homem destrói seres vivos, é cruel, está com mãos ensanguentadas, empenhada em destruir e ferir seres vivos sem compaixão por quaisquer seres que tenham vindo à existência. Essa pessoa, por conta dessa ação, realizada e empreendida, nasce, após a dissolução do corpo, após a morte, em um estado lamentável, num mau destino, no abismo, no inferno. Em vez disso, se essa pessoa chega ao estado humano, onde quer que nasça, ele ou ela tem uma vida curta. Jovem, destruir seres vivos, sendo cruel, tendo mãos ensanguentadas, engajando-se em destruir e causar dano aos seres vivos sem compaixão para com quaisquer seres que tenham vindo à existência, é um caminho conducente para um nascimento com uma vida curta.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem desiste e se abstém de destruir seres vivos, joga fora o bastão e a arma, é consciencioso, compassivo e vive com preocupação solidária pelo bem-estar de todos os seres vivos. Essa pessoa, por causa dessa ação, realizada e empreendida, nasce, após a dissolução do corpo, depois da morte, em um bom destino, num mundo celestial. Em vez disso, se essa pessoa chega ao estado humano, onde quer que nasça, ele ou ela tem uma vida longa. Esse caminho, jovem, é propício a ter uma vida longa.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem é de um tipo que machuca os seres com mãos, torrões, paus ou armas. Por causa dessa ação, realizada e empreendida por essa pessoa, ... após a morte, ele ou ela nasce no ... inferno. Em vez disso, se essa pessoa chega ao estado humano, onde quer que nasça, ele ou ela sofre muitas doenças. Jovem, este é o caminho conducente para ter muitas doenças.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem é de um tipo que não machuca os seres com mãos, torrões, paus ou armas. Essa pessoa, por causa dessa ação realizada e empreendida, ... após a morte, nasce em um bom destino, num mundo celestial. Em vez disso, se essa pessoa chega ao estado humano, onde quer que nasça, ele ou ela tem poucas doenças. Jovem, este é o caminho que conduz a ter poucas doenças.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem fica zangada e é dada à irritabilidade. Mesmo com a mais leve observação ele ou ela amaldiçoa, fica com raiva, torna-se maliciosa, reage com raiva, mostra ódio, raiva e desagrado. Essa pessoa, por conta dessa ação realizada e empreendida,... após a morte nasce ... no inferno. Em vez disso, se essa pessoa chega ao estado humano, onde quer que nasça, ele ou ela nasce feia. Jovem, este é o caminho propício para se tornar feio.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem não fica zangada, não é dada à irritabilidade. Mesmo com muitas observações (adversas) tal pessoa não amaldiçoa, não fica com raiva, não se torna maliciosa e não reage com raiva, não mostra ódio, raiva e desagrado. Essa pessoa, por conta dessa ação, realizada e empreendida, nasce... após a morte... em um mundo celestial. Em vez disso, se essa pessoa chega ao estado humano, onde quer que nasça, ele ou ela se torna bela. Jovem, este é o caminho conducente para se tornar bela.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem tem uma mente invejosa, é alguém que inveja, ressente e resmunga a respeito dos ganhos, do respeito, do louvor, da veneração e das ofertas recebidas pelos outros. Essa pessoa, por causa dessa ação realizada e empreendida ... renasce no inferno ou se renascer como humano ... torna-se menos poderosa. Este é o caminho conducente para se tornar menos poderoso.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem não tem uma mente invejosa, não é alguém que inveja, ressente e resmunga a respeito dos ganhos, do respeito, do louvor, da veneração e das ofertas recebidas pelos outros. Essa pessoa, por causa dessa ação, realizada e empreendida ... renasce no céu ou se renascer como humano ... torna-se poderosa... Este é o caminho conducente para se tornar poderosa.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem é de um tipo que não faz doações a renunciantes ou brāhmaṇas, de comida, bebidas, roupas, transportes, flores, aromas, pomadas, camas, habitações e iluminações.... renasce no inferno ou se renascer como humano ... torna-se uma pessoa de pouca riqueza.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem é de um tipo que faz doações a renunciantes ou brāhmaṇas renasce no céu ou se renasce como humano ... torna-se uma pessoa de grande riqueza.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem é teimosa e convencida e não venera alguém que é digno de reverência, não se levanta com respeito por uma pessoa a quem se deve levantar com respeito, não oferece um assento a alguém que é digno de um assento, não dá lugar a alguém que é digno de dar lugar, não honra quem é digno de honra... renasce no inferno ou se renasce como humano ... torna-se uma pessoa de baixa classe social.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem não é teimosa e vaidosa e venera aquele que é digno de reverência... renasce no céu ou se renasce como humano ... torna-se uma pessoa de alta classe social.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem não se aproxima de um renunciante ou brāhmaṇa e pergunta: “Venerável senhor, o que é saudável e o que é insalubre? O que é errado e o que é certo? O que deve ser praticado e o que não deve ser praticado? Que ação será para o meu bem e bem-estar por um longo tempo? Ou que ação será para meu mal e sofrimento por um longo tempo?” (...) renasce no inferno ou se renasce como humano ... torna-se alguém de sabedoria defeituosa.
Jovem, aqui uma certa mulher ou homem se aproxima de um renunciante ou brāhmaṇa e pergunta: “Venerável senhor, o que é saudável e o que é insalubre...?” (...) renasce no céu ou se renasce como humano ... torna-se alguém de grande sabedoria.
Então, o jovem..., os seres têm suas ações como suas próprias, são herdeiros de suas ações, originam-se deles, estão relacionados a elas, têm suas ações como seu refúgio. As ações dividem os seres vivos em terem estados piores e melhores.
*Cūla-Kamma-Vibhaṅga Sutta: Majjhima-nikāya* III.203-206, trad. P.D.P.
**Th.68 Experiências e ações boas e más, não são todas devidas ao karma passado ou a um Deus, mas também não são sem causa**
*Esta passagem enfatiza que é importante assumir a responsabilidade pelas próprias ações, e não culpá-las sobre o próprio karma ou ações anteriores, um Deus ou dizer que elas ocorrem sem causa, de modo que não há como controlá-las.*
Monges, existem estes três sistemas de ensino religioso que, quando tratados de perto, examinados minuciosamente e discutidos detalhadamente, finalmente acabam levando à não-responsabilidade pela ação. Quais três?
Existem alguns renunciantes e brāhmaṇas que sustentam a teoria e são da opinião: “O que quer que essa pessoa experimente, seja agradável, desagradável ou nem desagradável nem agradável, tudo isso é em função das ações realizadas no passado”.
Existem alguns renunciantes e brāhmaṇas que sustentam a teoria e são da opinião: “O que quer que essa pessoa experimente, seja agradável, desagradável ou nem desagradável nem agradável, tudo isso é em função da criação por um ser supremo”.
Existem alguns renunciantes e brāhmaṇas que sustentam a teoria e são da opinião: “O que quer que essa pessoa experimente, seja agradável, desagradável ou nem desagradável nem agradável, tudo isso é em função de nenhuma causa ou condição”.
Aqui monges, abordo tais renunciantes e brāhmaṇas que sustentam a (primeira) teoria e ... pergunto a eles. “Veneráveis, é verdade que vocês mantêm esta teoria ...?” Quando perguntados, eles admitem. Então, eu digo a eles: “Veneráveis, é devido às ações passadas delas que as pessoas se tornam destruidoras da vida, tomadoras do que não é dado, engajadas na atividade sexual [^cf1], mentirosas, aquelas que usam discurso duro, discurso divisivo, conversa ociosa, aquelas com desejo intenso, mentes maliciosas e visões errôneas? Para aqueles que consideram as ações realizadas no passado como a realidade essencial, não há nem interesse, nem esforço quanto ao que deveria e não deveria ser feito. Quando, na verdade e na realidade, o que deve ser feito e o que não deve ser feito, é inacessível para essas pessoas que vivem com falta de vigilância e desprotegidas, e até mesmo a designação pessoal ‘renunciante’ é inapropriada (para elas). O mesmo é dito em relação às outras duas teorias.
*Titthāyatana Sutta: Aṅguttara-nikāya* I.173-176, trad. P.D.P.
**Th.69 Sensações e doenças não são todas devidos ao karma passado**
*Esta passagem critica a ideia de que todas as sensações desagradáveis (e doenças) surgem devido ao karma passado. O karma é uma causa possível, mas as outras causas são físicas, ambientais, ou a própria ação inepta presente ou o excesso de esforço. Por isso, tomar a ideia do karma de uma forma fatalista é algo errôneo.*
Sentado de um lado, o asceta errante Moliya Sīvaka disse ao Bem-Aventurado: “Bom Gotama, há alguns renunciantes e brāhmaṇas que declaram desta maneira e que sustentam esta visão: “Tudo o que uma pessoa experimenta, seja agradável, desagradável ou não desagradável nem agradável, tudo isso é por causa de ações (karmas) feitas no passado”. O que tem o bom Gotama a dizer sobre isso?”
“Sīvaka, aqui certas sensações surgem por causa da perturbação da bile. Deve ser entendido por si mesmo que certas sensações surgem por causa do distúrbio da bile. Também é comumente acordado pelas pessoas do mundo que algumas sensações surgem devido ao distúrbio da bile. Sīvaka, os renunciantes e brāhmaṇas que declaram esta teoria e sustentam esta visão: “Seja qual for a sensação que essa pessoa experimenta, seja agradável, desagradável ou nem desagradável, nem agradável, tudo isso é devido a ações passadas”, fracassam naquilo que elas mesmas conhecem, e fracassam naquilo as pessoas do mundo comumente aceitam como a verdade. Portanto, eu digo que essa é uma visão errônea desses renunciantes e brāhmaṇas.
Sīvaka, certas sensações surgem por causa da perturbação da fleuma ... do vento ... da união desses ... da mudança de estações ... do uso das coisas de maneiras erradas ... do esforço [^cf2]... ou nascidas como resultado do karma [^cf3]. ...
*Sīvaka Sutta: Saṃyutta-nikāya* IV.230--231, trad. P.D.P.
**Th.70 Um bom caráter pode diluir os resultados karmicos de uma má ação**
*Esta passagem explica que as mesmas más ações nem sempre têm resultados karmicos da mesma intensidade, pois a natureza de uma pessoa no geral ruim amplifica o resultado de uma má ação em particular, enquanto a natureza de uma pessoa no geral boa dilui o resultado do mesmo tipo de má ação (ver M.41).*
Monges, pode-se dizer: “Seja qual for o tipo de ação que uma pessoa cometa, de tal maneira respectiva ela experimentará sua consequência”. Monges, se assim fosse, não haveria sentido viver a vida santa e não haveria espaço para um completo fim do sofrimento. Monges, pode-se dizer: “Seja qual for a maneira pela qual a (consequência de uma) ação cometida por uma pessoa deva ser experimentada, dessa maneira respectiva ela experimentará sua consequência”. Monges, se assim fosse, há um sentido em viver a vida santa e há espaço para o completo fim do sofrimento.
Aqui monges, uma má ação trivial cometida por uma determinada pessoa a leva ao inferno. Aqui, monges, uma ação trivial semelhante é cometida por outra pessoa, mas (sua consequência) é experimentada nesta própria vida: nada dela é experimentado na vida que se segue, e a questão de qualquer consequência adicional não surge.
Qual o tipo de pessoa que, mesmo cometendo uma má ação trivial, é levada ao inferno? Aqui monges, uma determinada pessoa é de caráter não cultivado, de disciplina ética não cultivada, de mente não cultivada, de sabedoria não cultivada; é mesquinha, com um eu estreito e sofre devido a algo pequeno. É esse tipo de pessoa que, mesmo cometendo uma pequena má ação, é levada ao inferno.
Qual o tipo de pessoa que cometendo uma má ação trivial experimenta (uma consequência) nesta mesma vida, mas nada dela é experimentado na vida que se segue, e a questão de qualquer consequência adicional não surge? Aqui monges, uma tal pessoa é de caráter cultivado, de disciplina ética cultivada, de mente cultivada, de sabedoria cultivada; não é mesquinha, tem um eu amplo, habita no ilimitado [^cf4]. No caso de tal pessoa que comete uma má ação trivial, ela experimenta (uma consequência) nesta mesma vida, mas nada dela é experimentado na vida que se segue, e a questão de qualquer consequência adicional não surge.
Suponhamos, monges, que uma pessoa pegue uma porção de sal e a misture num copo com água - vocês não acham, monges, que a pouca água ali ficaria salgada e intragável?” “Precisamente, senhor”. “E por que razão? Porque há pouca água no copo e, com esta porção de sal, ela se tornará salgada e intragável”.
“Suponhamos, monges, que uma pessoa misture a porção de sal no rio Ganges - vocês acham, monges, que o rio Ganges ficaria salgado com esta porção de sal e se tornaria intragável?” “Não, senhor”. “E por que razão? Porque neste rio Ganges há uma grande massa de água e, com esta porção de sal ela não se tornaria salgada e intragável”.
“Da mesma maneira, monges, uma má ação trivial cometida por uma determinada pessoa a leva ao inferno ... mas uma má ação trivial semelhante cometida por outra pessoa tem a tendência de sua consequência ser experimentada nesta mesma vida e nada dela ser experimentado na vida que se segue, e a questão de qualquer consequência adicional não surge”.
*Loṇakapallaka Sutta: Aṅguttara-nikāya* I.249-250, trad. P.D.P.
**Th.71 Autodeterminação quanto a seu renascimento**
*Esta passagem explica que uma pessoa, por meio do cultivo da virtude e da sabedoria, e de uma firme resolução, pode obter o tipo de bom renascimento a que aspira.*
“Aqui monges, um monge que vive dotado de fé, aprendizagem, generosidade, sabedoria, e ocorre a ele: ‘Oh, possa eu nascer entre os homens ricos da classe dominante, após a dissolução do corpo, depois da morte!’ Ele fortalece esse pensamento, ele o desenvolve, e suas atividades mentais e modos de viver são desenvolvidos e cada vez mais cultivados dessa maneira, o que o leva a nascer lá. Isso, monges, é o caminho, a maneira que o leva a nascer lá.
Também monges, um monge que vive dotado de fé ... e ocorre a ele: ‘Oh, possa eu nascer entre os brāhmaṇas ricos ... ou entre os chefes de família ricos ... depois da morte’. Ele fortalece esse pensamento ... Isso, monges, é o caminho, a maneira que o leva a nascer lá.
Também monges, um monge que vive dotado de fé ... tendo ouvido que as deidades dos Quatro Reis Guardiões vivem há muito constituídas de beleza e felicidade abundante. Ocorre a ele: ‘Oh, possa eu nascer entre as deidades dos Quatro Reis Guardiões ... depois da morte’. Ele fortalece esse pensamento ... Isso, monges, é o caminho ... a nascer lá [^cf5].
*Saṅkhāruppatti Sutta: Majjhima-nikāya* III.99-104, trad. P.D.P.
**Th.72 O karma pode amadurecer lentamente, e o ponto de vista e a atitude no final da vida é importante**
*A primeira passagem vem depois de uma seção que diz que aqueles com visão supranormal baseada na meditação, que conseguem ver como os seres renascem, devem ser cautelosos em não generalizar em excesso a partir de sua experiência. Pessoas más renascem frequentemente, mas nem sempre, num mau renascimento na próxima vida; por vezes o seu renascimento pode ser bom. Pessoas boas renascem frequentemente, mas nem sempre, num bom renascimento na próxima vida; porém, por vezes, podem ter um mau renascimento. Em consequência, não se deve dogmaticamente afirmar que todas as más pessoas têm um mau renascimento e todas as boas pessoas têm um bom renascimento, nem que a conduta de uma pessoa é irrelevante para futuros renascimentos. Depois, isto é explicado: pode existir um karma passado oposto que determina o próximo renascimento, ou pode haver uma mudança em como as coisas são vistas à medida que a morte se aproxima. Uma pessoa má pode se arrepender das suas más ações e se determinar a que as boas ações sejam importantes -- uma espécie de ‘conversão no leito da morte’ -- ou uma boa pessoa pode ter má vontade e arrepender-se das boas ações realizadas -- uma espécie de ‘des-conversão no leito da morte.’ Ainda assim, as más e boas ações vão ter os seus resultados, mas numa vida depois da próxima.*
*A segunda passagem é pronunciada pelo Buddha a um banqueiro cujas ofertas são pouco significativas e sente-se embaraçado com isso. O Buddha assegura-lhe que todos os atos de generosidade e bondade trazem resultados, apesar de parecerem pequenos, e que ele não deve se sentir embaraçado ou pensar que isso não terá bom efeito no futuro.*
Agora, Ānanda, o indivíduo aqui que destrói seres vivos, toma o que não é dado, comporta-se erroneamente no gozo dos prazeres sensoriais, diz mentiras, toma parte em discursos que levam à divisão ou discursos que levam ao ódio, a conversas ociosas, tem desejo intenso, uma mente maliciosa e com pontos de vista errados -- ele, após a dissolução do corpo, após a morte, renasce num estado lamentável, um mau destino, no abismo, no inferno. Ele pode tanto (também) ter realizado um mal previamente que tenha o potencial para trazer uma sensação dolorosa, ou pode ter feito isso mais tarde, ou ele pode ter entretido e mantido visão errôneas no momento da morte. Devido a isso, ele nasce, após a dissolução do corpo, no ... inferno. Uma vez que ele destruiu seres vivos, ... e permaneceu com pontos de vista errôneos, ele irá experienciar as consequências, tanto aqui e agora, ou no próximo nascimento, ou em algum tempo depois.
Agora, Ānanda, o indivíduo que aqui é um destruidor de seres vivos ... nasce num ... mundo celestial. Ele pode (também) ter realizado uma boa ação previamente que tem o potencial para trazer uma sensação prazerosa, ou pode ter feito isso mais tarde, ou no momento da morte ter entretido e mantido pontos de vista corretos. Devido a isso ... ele nasce num ... mundo celestial. Devido a ter destruído seres vivos, ... e entretido uma visão errônea, ele irá experienciar suas consequências aqui e agora, ou no próximo nascimento, ou em algum tempo depois.
Agora, Ānanda, o indivíduo que aqui se abstém de destruir seres vivos, ... e tem visão correta, após a dissolução do corpo, após a morte, ele irá para um bom destino, um mundo celestial. Ele pode ter (também) realizado uma boa ação previamente que têm o potencial para trazer uma sensação prazerosa, ou ele pode ter feito isso mais tarde, ou no momento da morte ter entretido e mantido pontos de vista corretos. Devido a isso ... ele nasce num ... mundo celestial. Dado que se absteve de destruir seres vivos, ... e tendo visão correta, ele irá experienciar as consequências, aqui e agora, ou no próximo nascimento, ou em algum tempo depois.
Agora, Ānanda, o indivíduo que aqui se abstém de destruir seres vivos, de tomar o que não é dado ... e tem visão correta, após a dissolução do corpo, após a morte, nasce no ... inferno. Ele pode tanto (também) ter feito uma má ação previamente que tenha o potencial para uma sensação dolorosa, ou ele pode ter feito isso mais tarde, ou no momento da morte ter entretido e mantido pontos de vista errôneos. Devido a isso, ele nasce, após a dissolução do corpo, no ... inferno. Devido a ter evitado destruir seres vivos ... e tendo um visão errônea, ele irá experienciar suas consequências, aqui e agora, ou no próximo nascimento, ou em alguum tempo depois.
Mahā-kamma-vibhaṅga Sutta: Majjhima-nikāya III.214--215, trad. P.D.P.
Não desconsiderem o benefício kármico e pensem que “não virá a mim”. Mesmo pela queda de gotas de água, um pote de água é preenchido.
Assim, o sábio também se enche de benefício kármico, mesmo que ele o reúna pouco a pouco.
Dhammapada 122, trad. P.H.
[^cf1]: Inapropriada para renunciantes; em listas de ações corporais errôneas para leigos, isso é substituído por “má conduta sexual”.
[^cf2]: Opakkamikāni provavelmente aqui significa “esforço” (uma vez que esta é uma possível causa de doença ou sensações desagradáveis), embora também possa significar um “ataque” por outra pessoa.
[^cf3]: No Aṅguttara-nikāya V.110, esses são dados como uma lista de possíveis causas de doença, em vez de “sensações” (vedayita)
[^cf4]: Provavelmente significam as qualidades “ilimitadas” da amorosidade, da compaixão, da alegria apreciativa e da equanimidade.
[^cf5]: O mesmo se repete com referência ao renascimento em todos os reinos divinos reconhecidos nos suttas e finalmente se diz que o mesmo tipo de cultivo de atividades mentais poderia levar até mesmo à destruição das inclinações intoxicantes que ligam alguém a novos renascimentos, e à obtenção da libertação final.