**M.14 O louvor ao Dharma**
*Nesta passagem, o Dharma é primeiramente os ensinamentos profundos do Buddha.*
“Bem-Aventurado, ouvi pessoas falando sobre o ‘louvor ao Dharma’. O que significa ‘louvar o Dharma’”?
O Bem-Aventurado disse: “Louvar o Dharma, filho de boa família, significa louvar aquilo que o Tathāgata disse. Significa louvar os sūtras profundos que trazem uma profunda iluminação. Esses sūtras permanecem em oposição a tudo o que é mundano. São difíceis de serem aprofundados, difíceis de apreender, difíceis de interpretar. São precisos, sutis, e seu significado não pode ser percebido pela mente. Estão incluídos na coleção de ensinamentos sobre o bodhisattva, e afixados com o selo do rei dos sūtras e invocações. Revelam a roda do Dharma que não se pode parar. Nascem das seis perfeições [^cf1]. Cativam aqueles que são atraídos a eles. Seguem as trinta e sete práticas que ajudam a atingir o despertar [^cf2] e utilizam os sete fatores do despertar [^cf3]. Introduzem os seres vivos à grande compaixão e ensinam a eles sobre a grande amorosidade. Dão um fim às doutrinas de Māra [^cf4] e explicam a originação dependente [^cf5]. Ensinam que não existe um ser essencial, um ser vivo, força de vida ou pessoa. Ensinam o vazio, a libertação em relação às características, a libertação em relação às aspirações e a libertação em relação às realizações [^cf6]. Eles estabelecem o assento do despertar e dão início ao movimento da roda do Dharma.
Eles são celebrados e louvados por deidades, nāgas, yakṣas e gandharvas [^cf7]. Eles preservam a tradição ininterrupta do verdadeiro Dharma. Eles contêm o tesouro do Dharma. Eles representam uma correta compreensão de como louvar o pináculo do Dharma. Eles são abraçados por todos os nobres, e dão instrução acerca de todas as práticas de um bodhisattva. Eles introduzem o Dharma que é a verdadeira natureza da realidade. Eles resumem o Dharma, ensinando que tudo o que surge é impermanente, doloroso, sem um eu essencial, e calmo. Eles demonstram o poder nocivo da imoralidade. Eles admoestam aqueles que estão obcecados com as opiniões e interpretações dos falsos professores. Eles são elogiados por todos os Buddhas. Eles são o antídoto para o saṃsāra. Eles revelam a felicidade de nirvāna. Ensinar sūtras como este, expô-los, preservá-los, examiná-los e compreendê-los - isso é o que significa ‘louvar o Dharma’.
*Vimalakīrti-nirdeśa Sūtra, cap. 12, seções 10-11, trad. do sânscrito por D.S.*
**M.15 Deleitar-se com os prazeres do Dharma**
*Nesta passagem, o Dharma é a prática do caminho para a iluminação.*
“O que significa se deleitar nos prazeres do Dharma?”
O licchavi Vimalakīrti disse: “É se deleitar na confiança inquebrantável no Buddha. É se deleitar no desejo de ouvir o Dharma. É se deleitar na companhia da Sangha. É se deleitar em honrar os mestres espirituais. É se deleitar em escapar do tríplice mundo [^cf8]. É se deleitar em ser livre das esferas de atividades mundanas. É se deleitar em sempre considerar as categorias da existência [^cf9] como sendo equivalentes a assassinos [^cf10]. É se deleitar em ver os elementos [^cf11] como sendo semelhantes a cobras venenosas. É se deleitar em perceber corretamente os campos sensoriais como uma vila vazia. É se deleitar em proteger a mente desperta. É se deleitar em ajudar os seres vivos. É se deleitar em compartilhar o que você tem com os outros em sua prática de generosidade. É se deleitar em ser dedicado em sua prática da disciplina ética. É se deleitar em ser persistente e autodisciplinado em sua prática de aceitação paciente. É se deleitar em cultivar qualidades saudáveis em sua prática do vigor. É se deleitar em trabalhar em você mesmo em sua prática de meditação. É se deleitar em seu próprio caminhar para fora das impurezas em sua prática da sabedoria. É se deleitar na plenitude do despertar. É se deleitar em derrotar Māra. É se deleitar em destruir as impurezas. É se deleitar em em purificar o seu próprio campo de Buddha. É se deleitar em acumular as raízes saudáveis para aperfeiçoar as marcas corporais e as características secundárias de um Buddha. É se deleitar em não ter medo quando ouvir o Dharma profundo. É se deleitar em trabalhar firmemente para realizar os três tipos de emancipação [^cf12]. É se deleitar com as bases do nirvāna. É se deleitar com os adornos da mandala do despertar, e não alcançar o despertar num tempo inapropriado. É se deleitar em servir aqueles cuja conduta equipara-se com a sua. É se deleitar em resistir, sem ódio, àqueles cuja conduta não se equipara à sua. É se deleitar em servir a seus amigos espirituais. É se deleitar em abandonar amigos que são uma má influência para você. É se deleitar na alegria e na benção do Dharma. É se deleitar em desenvolver habilidades nos meios. É se deleitar em ser dedicado com vigilância às práticas que ajudam a alcançar o despertar \[[^cf13]\]. Isto é o que significa para um bodhisattva se deleitar nos prazeres do Dharma”.
*Vimalakīrti-nirdeśa Sūtra, cap. 3, seção 64, trad. do sânscrito por D.S.*
**M.16 Dharma como um derradeiro além das palavras**
*Esta passagem essencialmente identifica o Dharma com o nirvāna e a derradeira realidade além das palavras*
\[Cap.5\] O Dharma não pode ser explicado em conceitos ou em palavras. Alguém que formula conceitos tais como “Irei investigar completamente o que é doloroso, desistir das causas da dor, buscar a cessação da dor, e praticar o caminho” [^cf14] está preocupado com a formulação de conceitos e não com o Dharma.
\[Cap.3\] O Dharma é acessível em todos os lugares. É como o espaço. Ele não tem cor, marcas ou forma. Todas as manifestações cessaram. Não há qualquer conceito de “meu”. A formação do conceito de “meu” cessou. Seu conhecimento não é limitado. Mente, pensamento e consciência cessaram. É como nenhum outro, não tem rival. Não tem características causalmente surgidas. Nada é suposto como sua condição. Ele está unido com a extensão dos fenômenos. É parte integrante de todos os fenômenos. Torna a realidade acessível. Adequa-se à realidade pela não conformidade. Está enraizado no objetivo final, pois é completamente inabalável. É inabalável pois não está baseado em esferas dos seis sentidos [^cf15]. Vai a lugar nenhum e vem de nenhum lugar, pois não está localizado em qualquer parte. Está unido com a vaziez. É majestoso em sua liberdade em relação a características. Caracteriza-se pela sua ausência de aspirações. Deliberação e raciocínio cessaram. Nada surge ou desaparece. Vir a existir e deixar de existir cessaram. Não tem qualquer fundamento. Completamente fora do alcance do olho, do ouvido, do nariz, da língua, do corpo e da mente. Não se eleva nem decai. Permanece firme. Alcançou a imobilidade. Todos os movimentos cessaram.
*Vimalakīrti-nirdeśa Sūtra, cap.5, seção 3 e cap.3, seção 6, trad. do sânscrito por D.S.*
[^cf1]: Generosidade, disciplina ética, aceitação paciente, vigor, meditação e sabedoria (ver M.100-106).
[^cf2]: Ver nota em M.10.
[^cf3]: Explicado na nota de rodapé em M.158.
[^cf4]: Ver Vi.7.
[^cf5]: Ver Th.156 segs.
[^cf6]: Isto é, conscientização da insubstancialidade, seguido do estabelecimento das especificidades do que é percebido, desejos e ambições.
[^cf7]: Vários tipos de seres divinos.
[^cf8]: Ou seja, a totalidade da existência condicionada: ver “três reinos” no Glossário.
[^cf9]: Os processos mentais e físicos que compõem um ser: forma corporal, sensação, percepção, atividades volitivas e consciência (ver Th.151)
[^cf10]: Já que sempre que surgem em um renascimento, eles acabam em morte.
[^cf11]: Os dezoito elementos são os seis sentidos (cinco sentidos físicos mais a faculdade mental), seus objetos e os tipos respectivos de consciência. Eles são retratados como “venenosos”, já que são enganosos, assim como os “campos sensoriais” (os sentidos e seus objetos), sendo todos vazios de qualquer eu essencial permanente e fixo.
[^cf12]: Liberdade em relação às características, liberdade em relação às aspirações, e liberdade em relação às realizações: ver a última nota para M.14.
[^cf13]: Ver a nota do M.10.
[^cf14]: Como é dito no primeiro discurso do Buddha (veja passagem Vi.27)
[^cf15]: No buddhismo, a mente é tida como um sentido do mesmo modo como visão, audição, paladar, olfato e tato.